O ESTADO DEVE ARCAR COM PROCEDIMENTOS/MEDICAMENTO NÃO COBERTOS PELO SUS?

A partir dessa indagação temos diversas situações que são enfrentadas
diariamente pela população que busca o direito à vida, à saúde. Como é notório, um dos
princípios norteadores do SUS é a universalidade do atendimento. Mas o SUS tal como se
apresenta no Brasil, encontra limites orçamentários e humanos.
Daí a pergunta: O SUS deve arcar com toda e qualquer prescrição
médica? Com o vertiginoso aumento de ações em busca por medicamentos, tratamentos,
entre outros, foi instituído pelo CNJ, através da Resolução 107/2010 o Fórum Nacional do
Judiciário para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde.
Em linhas gerais fixou os seguintes critérios:
Art. 3º No âmbito do Fórum Nacional serão instituídos comitês
executivos, sob a coordenação de magistrados indicados pela Presidência e/ou pela
Corregedoria Nacional de Justiça, para coordenar e executar as ações de natureza
específica, que forem consideradas relevantes, a partir dos objetivos do artigo anterior.
Artigo 4º O Fórum Nacional será integrado por magistrados atuantes
em unidades jurisdicionais, especializadas ou não, que tratem de temas relacionados ao
objeto de sua atuação, podendo contar com o auxílio de autoridades e especialistas com
atuação nas áreas correlatas, especialmente do Conselho Nacional do Ministério Público,
do Ministério Público Federal, dos Estados e do Distrito Federal, das Defensorias Públicas,
da Ordem dos Advogados do Brasil, de universidades e outras instituições de pesquisa.
Artigo 5º Para dotar o Fórum Nacional dos meios necessários ao fiel
desempenho de suas atribuições, o Conselho Nacional de Justiça poderá firmar termos de
acordo de cooperação técnica ou convênios com órgãos e entidades públicas e privadas,
cuja atuação institucional esteja voltada à busca de solução dos conflitos já mencionados
precedentemente.
O CNJ solicitou que todos os tribunais do país instituíssem o referido
comitê de saúde, bem como os tribunais regionais, tendo em vista as questões de
medicamentos e tratamentos ajuizadas contra a União.
A discussão sobre medicamentos e tratamentos não cobertos pelo
SUS já vinha de longa data, sendo que o STJ decidiu e fixou o Tema 106:
“Direito à saúde. Medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS.
Fornecimento pelo Poder Público. Obrigatoriedade. Caráter excepcional. Requisitos cumulativos. Tema
106.”
Somente para se ter uma idéia de quantas ações existiam à época do
julgamento do Tema 106, mais de 8.800 processos foram suspensos em todo o território
nacional aguardando a decisão judicial. Mas como foi enfrentada a questão pelo STJ?
Foi decidido que para concessão de medicamentos não incorporados
nas listas do SUS (Rename) há a necessidade de comprovação cumulativa dos seguintes
requisitos: a) laudo médico que ateste a imprescindibilidade ou necessidade do
medicamento e ineficácia dos medicamentos fornecidos pelo SUS; b) incapacidade
financeira de arcar com o medicamento; c) registro na ANVISA do medicamento
solicitado.
Portanto, restou claro que o julgamento não fixou a lista do Rename
como taxativa, mas sim exemplificativa, adotando o SUS o binômio: protocolos clínicos
incorporados e listas editadas pelos entes públicos.
Ressaltamos ainda que o Ministério da Saúde e o Conitec são os
responsáveis pela inserção, alteração, dentre outras condutas de novos medicamentos,
conforme Lei 8080/90, artigo 19-Q1. O Conitec observará as evidências científicas e
avaliação econômica do medicamento (benefício x custos).
O SUS pautou-se na “Medicina baseada em evidência”, tão difundida pelo
Prof. Dr.Alvaro Nagib Atallah. Com isso, adotaram-se os ‘Protocolos Clínicos e Diretrizes
Terapêuticas’, que são o conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de
doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas
doses.
Há que se dizer que no SUS as doenças são custeadas em blocos ao
contrário do que ocorre nos planos privados. O médico ao prescrever deverá levar em
conta o custo do medicamento aliado à eficácia cientifica para aquela patologia. Isso quer
dizer que se houver dois medicamentos para o mesmo tratamento o medicamento listado
no Rename será usado, mesmo havendo outro comercializado pela Anvisa.
Ademais, o artigo 19-M2 da Lei 8.080/90 prevê o fornecimento de
medicamentos em consonância com o protocolo clínico para a doença – cuja definição
encontra-se no artigo 19-N3, II, da Lei 8.080/90 –, ou, na falta de protocolo, de acordo
com as relações de medicamentos instituídas pelos gestores do SUS, consoante disposto no
artigo 19-P4 da mesma Lei.
1A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. § 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja
composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho
Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. § 2o O relatório
da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: I – as evidências
científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo,
acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; II – a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível.
2Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela
Lei nº 12.401, de 2011)
I – dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes
terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em
conformidade com o disposto no art. 19-P; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
II – oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo
gestor federal do Sistema Único de Saúde – SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.
3Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições: (Incluído pela Lei nº 12.401,
de 2011)
I – produtos de interesse para a saúde: órteses, próteses, bolsas coletoras e equipamentos médicos; (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
II – protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o
tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os
mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do
SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
4Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
Estabeleceu-se, ainda, nos artigos 19-Q a 19-R5, as formas de
incorporação, exclusão ou alteração de medicamentos pelo SUS, tendo em vista a evolução
científica e os benefícios decorrentes do avanço da Medicina.
Nesse contexto, admite-se a adoção de novos fármacos, antes não
abrangidos pelo sistema do SUS, considerando “as evidências científicas sobre a eficácia, a
acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas
pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso” (art. 19-Q, § 2º, I, da Lei 8.080/90).
O registro do medicamento na ANVISA possibilita às autoridades
sanitárias do Estado o controle das substâncias de interesse à saúde pública, a fim de
garantir ao consumidor a qualidade, a eficácia e a segurança do produto, sendo o primeiro
requisito para que o Sistema Único de Saúde providencie a sua incorporação à rede públicaO laudo médico deverá relatar que todos os tratamentos e
medicamentos foram usados para melhora do quadro clínico do paciente, mas sem
qualquer sucesso no tratamento. Mas e se o medicamento não foi incorporado pelo Sistema
Único de Saúde? Entendeu-se que essas listas devem ser consideradas apenas como
orientação na prescrição não possuindo força legal capaz de impor aos médicos a
prescrição de certos medicamentos, tendo em vista a constante evolução da Medicina.
Acrescente-se que o fato de existirem alternativas terapêuticas
oferecidas pela rede pública de saúde, para o tratamento da moléstia do paciente, não
desonera o Estado da obrigação de fornecer o medicamento necessário e adequado ao
tratamento buscado, na forma prescrita pelo médico.
Quanto à incapacidade financeira, deve-se entender como aquela no
que tange à impossibilidade de arcar com os custos do tratamento/medicamento. Aqui não
se trata de incapacidade econômica para arcar com os custos do processo, a justiça gratuita.
I – com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta
Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; (Incluído pela Lei nº
12.401, de 2011)
II – no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas
pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão
IntergestoresBipartite; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
III – no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores
municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde. (Incluído pela
Lei nº 12.401, de 2011)
5Art. 19-R. A incorporação, a exclusão e a alteração a que se refere o art. 19-Q serão efetuadas mediante a instauração de
processo administrativo, a ser concluído em prazo não superior a 180 (cento e oitenta) dias, contado da data em que foi
protocolado o pedido, admitida a sua prorrogação por 90 (noventa) dias corridos, quando as circunstâncias exigirem.
(Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
§ 1
o O processo de que trata o caput deste artigo observará, no que couber, o disposto na Lei n
o 9.784, de 29 de janeiro de
1999, e as seguintes determinações especiais: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
I – apresentação pelo interessado dos documentos e, se cabível, das amostras de produtos, na forma do regulamento, com
informações necessárias para o atendimento do disposto no § 2o do art. 19-Q; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
II – (VETADO); (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
III – realização de consulta pública que inclua a divulgação do parecer emitido pela Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no SUS; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
IV – realização de audiência pública, antes da tomada de decisão, se a relevância da matéria justificar o evento. (Incluído
pela Lei nº 12.401, de 2011)
V – distribuição aleatória, respeitadas a especialização e a competência técnica requeridas para a análise da
matéria; (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022)
VI – publicidade dos atos processuais. (Incluído pela Lei nº 14.313, de 2022)
§ 2o (VETADO). (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)
E finalmente, quanto ao registro do medicamento na Anvisa, é
condição precípua. Mas e quanto a medicamentos que não foram registrados? E
medicamentos importados? Aqui também restou decidido que é viável desde que no país
de origem tenha sido registrado pelos órgãos competentes. Teríamos aí a chancela do órgão
produtor atestando a segurança e eficácia do medicamento. A Anvisa faz desde o registro
até a fixação do preço, atestando a segurança e o benefício do produto, sendo requisito
necessário para ser incorporado pelo SUS.
Portanto, podemos concluir que caso o medicamento não conste na
lista do SUS (Rename), alguns requisitos deverão ser preenchidos para que o paciente
consiga êxito em eventual ação judicial, sendo que um ponto de extrema relevância e
adotado pelo SUS e pelos NatJus dos tribunais de justiça, é que haja evidência científica do
tratamento prescrito para a doença mencionada e esgotamento de todas as possibilidades
indicadas pelo SUS.
No que tange a medicamentos off-label, importados e doenças raras,
são objetos de posterior artigo no qual abordaremos as questões e o modo como nossos
tribunais têm se posicionado.
Stella Sydow Cerny
Advogada, graduada pela FMU. Atuando na Cerny Advocacia desde 2006.
Especialização em Direito Imobiliário – ESA
Pós-graduada em Direito Previdenciário – Verbo Educacional
Pós-graduada em Direito Médico e da Saúde – EPD.
Membro Efetivo da Comissão Permanente de Defesa do Consumidor da OAB/SP.
Membro da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB/SP.
Atuação nas áreas de planos de saúde, cível, consumidor e previdenciário (www.cernyadvocacia.com.br

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